A Falácia da Meritocracia: ‘só é pobre quem quer’

A expressão “Só é pobre quem quer” é frequentemente usada como uma simplificação superficial de uma realidade muito mais complexa. Ao analisarmos de perto essa afirmação, torna-se evidente que ela não apenas ignora as muitas nuances da pobreza, mas também perpetua uma visão simplista e injusta das circunstâncias da vida.

A realidade socioeconômica é profundamente intricada, moldada por uma multiplicidade de fatores que vão além do simples esforço individual. Desigualdades sistêmicas, falta de acesso a recursos educacionais e oportunidades, discriminação e condições socioeconômicas hereditárias são apenas algumas das variáveis que influenciam significativamente a trajetória financeira de uma pessoa.

Ao afirmar que “só é pobre quem quer”, desconsideramos o impacto do ambiente em que alguém nasce e cresce. A qualidade da educação, as oportunidades de emprego disponíveis e o acesso a recursos básicos não são distribuídos uniformemente. Portanto, é simplista e injusto culpar exclusivamente o indivíduo pela sua situação financeira.

Além disso, a saúde mental e física, as crises econômicas, as adversidades imprevistas e outros desafios pessoais desempenham papéis cruciais na determinação do status financeiro de uma pessoa. A vida é imprevisível, e assumir que todos têm o mesmo ponto de partida é ignorar a complexidade da jornada humana.

A ideia de que “só é pobre quem quer” também desconsidera o papel do sistema econômico e social em perpetuar a desigualdade. Estruturas que favorecem determinadas classes sociais e prejudicam outras contribuem para a manutenção de ciclos de pobreza.

Ao invés de perpetuar essa falácia da meritocracia, é crucial reconhecer e abordar as raízes sistêmicas da desigualdade. Isso envolve não apenas uma mudança de perspectiva, mas também a criação de políticas e práticas que promovam verdadeiramente igualdade de oportunidades para todos, independentemente de suas origens ou circunstâncias iniciais.

O que as pesquisas cientificas revelam sobre esse tema?

A conexão entre o futuro de uma criança nascida em uma família de baixa renda e suas perspectivas de ascensão social revela uma realidade incômoda e profundamente enraizada. A relação direta entre escolaridade e renda dos pais e as oportunidades de progresso da nova geração destaca um cenário desafiador no Brasil, onde o “elevador social” parece operar em marcha lenta, se não estiver parado.

Em um recente estudo da OCDE, que analisou dados de 30 países, o Brasil não apenas se destaca, mas de maneira desfavorável. O país ocupa a segunda pior posição em termos de mobilidade social, um indicador impactante que coloca em xeque a eficácia das estruturas sociais e educacionais.

O estudo “O elevador social está quebrado? Como promover mobilidade social” destaca uma projeção alarmante: seriam necessárias nove gerações para que os descendentes de um brasileiro que se encontra entre os 10% mais pobres alcancem o nível médio de renda do país. Essa estimativa somente encontra paralelo na África do Sul e é superada apenas pela Colômbia, onde o período de ascensão seria ainda mais longo, estendendo-se por 11 gerações.

Esses números alarmantes refletem não apenas a persistência da desigualdade, mas também indicam um sistema educacional e social que, ao invés de servir como um trampolim para o progresso, torna-se uma barreira. O Brasil, em sua busca por equidade e justiça social, enfrenta um desafio estrutural significativo.

A lentidão do “elevador social” é um chamado à ação para uma reavaliação profunda das políticas educacionais, programas de assistência social e oportunidades econômicas disponíveis para as camadas mais desfavorecidas da população. Sem medidas eficazes e impactantes, a mobilidade social continuará sendo uma miragem distante para muitos brasileiros, comprometendo não apenas a igualdade de oportunidades, mas também o tecido fundamental de uma sociedade justa e progressista.

Dica de filmes que abordam de forma crítica essa temática.

O cinema, ao longo de sua história, tem servido como uma plataforma poderosa para explorar e desafiar sistemas socioeconômicos. Diversos filmes oferecem uma perspectiva crítica sobre o capitalismo, questionando suas ramificações, desigualdades e o impacto nas vidas humanas. Aqui estão alguns filmes que se destacam por sua abordagem incisiva e provocativa:

Parasita” (2019):

Dirigido por Bong Joon-ho, este filme sul-coreano ganhador do Oscar explora as disparidades de classe de maneira envolvente e surpreendente. “Parasita” destaca a divisão entre ricos e pobres, revelando as complexidades e injustiças inerentes ao sistema capitalista.

A Grande Aposta” (2015)

Baseado em eventos reais, este filme dirigido por Adam McKay aborda a crise financeira de 2008. “A Grande Aposta” mergulha nas entranhas do capitalismo, revelando ganância, especulação e as consequências devastadoras para a sociedade.

Clube da Luta” (1999):

Sob a direção de David Fincher, este filme icônico, baseado no livro de Chuck Palahniuk, critica o consumismo desenfreado e a alienação associada à busca incessante por status material.

“Ensaio Sobre a Cegueira” (2008)

Dirigido por Fernando Meirelles e baseado na obra de José Saramago, o filme examina uma sociedade em colapso quando confrontada com uma epidemia de cegueira. A narrativa é uma alegoria contundente sobre as fragilidades do sistema capitalista.

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Wanderson Dutch.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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