30 líderes quilombolas foram assassinados nos últimos 10 anos

Na última década, as vozes das lideranças quilombolas têm sido abafadas pelo som ensurdecedor dos disparos mortais. Segundo um levantamento divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), pelo menos 30 líderes quilombolas foram brutalmente assassinados, expondo uma realidade de violência desoladora.

Na mais recente tragédia, Maria Bernadete Pacífico, 72 anos, líder do Quilombo Pitanga dos Palmares e ex-secretária de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho (BA), teve sua vida ceifada. Na noite de 17 de agosto, criminosos invadiram sua comunidade, mantiveram familiares como reféns e a executaram a tiros em sua própria casa. Seu filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, já havia sido assassinado há quase seis anos.

A tristeza e indignação que permeiam essa realidade não podem ser ignoradas. A Conaq destaca que a maioria das vítimas estava liderando territórios quilombolas, e os assassinatos ocorreram em plenos quilombos, com o uso de armas de fogo.

Os estados mais afetados por essa onda de violência são a Bahia (11), o Maranhão (8) e o Pará (4). No entanto, a sombra da violência também se estende a estados como Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais e Alagoas.

Denildo Rodrigues, coordenador da Conaq, ressalta a urgência de uma posição do Estado brasileiro diante dessa calamidade. “O caso de Mãe Bernadete se junta a esses assassinatos que estão sem resolução nenhuma. Essa situação é muito grave. Trinta pessoas tiveram as vidas ceifadas ao longo dos anos. Queremos cobrar do Estado brasileiro uma posição. Não dá para o Sistema de Justiça ignorar as violências que acontecem nos territórios quilombolas”, afirma em comunicado divulgado pela coordenação.

A raiz dessa violência é profundamente enraizada na disputa por territórios quilombolas. Denildo Rodrigues aponta para a ferrenha batalha pela terra que se desenrola, destacando o racismo fundiário que nega aos negros e negras, presentes nesses territórios por mais de 400 anos, o direito legítimo à terra. A injustiça é alimentada pelo racismo estrutural que exclui e marginaliza.

Diante desse panorama angustiante, a Conaq não só exige respostas do Estado brasileiro, mas também demanda justiça para essas execuções hediondas. A abertura de inquéritos pela Polícia Federal da Bahia é um passo crucial, mas a responsabilidade de lidar com essa crise vai além das investigações policiais. É um apelo à transformação social, uma convocação à consciência coletiva.

Uma comitiva de representantes dos ministérios da Igualdade Racial, Justiça e Direitos Humanos está na Bahia, buscando interações diretas com os órgãos estaduais, proporcionando suporte às vítimas e suas famílias, visando a proteção e defesa dos territórios.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) também se manifestou, compartilhando o luto pela perda de Mãe Bernadete, evidenciando o alcance da indignação e solidariedade em face dessa onda de violência que desafia nossa humanidade.

Por que as religiões de matriz africana continuam a ser alvo de um ódio implacável?

Como é possível que alguém possa tirar a vida de uma senhora de 72 anos e encontrar tranquilidade no sono noturno? Em meio a tamanha barbárie, quanto mais teremos que tolerar esse cenário?

As religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, têm sido palco de uma intensa intolerância religiosa. Elas representam uma rica herança cultural e espiritual, entrelaçando tradições ancestrais com crenças modernas, e, no entanto, são frequentemente alvo de ódio e violência.

O assassinato brutal de Maria Bernadete Pacífico, líder quilombola e Yalorixá, lança uma luz implacável sobre essa realidade sombria. Como uma sociedade pode testemunhar a morte de uma idosa, uma guardiã de tradições, e não ser assombrada pela injustiça? Essa pergunta ecoa em nossas mentes e corações, incitando um apelo por mudança.

Não é somente a vida da Yalorixá que foi roubada, mas também a conexão com sua comunidade e a herança que ela representava. A história de resistência e superação dos quilombolas, marcada por uma luta árdua por justiça, terra e igualdade, é manchada por cada assassinato desses líderes corajosos.

A insensibilidade de tirar uma vida humana e a capacidade de dormir em paz após tal atrocidade destacam uma desconexão alarmante com nossa humanidade compartilhada. Isso não pode continuar. Precisamos questionar não apenas o perpetrador, mas também o ambiente em que essa violência floresce. Onde estão as falhas em nossa sociedade que permitem que essa crueldade persista?

Até quando seremos forçados a confrontar a realidade sangrenta da intolerância? Até quando teremos que assistir às vidas preciosas sendo apagadas por crenças fanáticas e preconceitos desumanos? Cada vez que nos deparamos com essas tragédias, somos lembrados de nossa urgente responsabilidade de rejeitar o ódio, nutrir a empatia e trabalhar incansavelmente por uma sociedade onde a diversidade seja celebrada e as diferenças sejam respeitadas.

Wanderson Dutch.

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch

Wanderson Dutch é escritor, dancarino, produtor de conteúdo digital desde 2015, formado em Letras pela Faculdade Capixaba do Espírito Santo (Multivix 2011-2014) e pós-graduado pela Faculdade União Cultural do estado de São Paulo (2015-2016).
Vasta experiência internacional, já morou em Dublin(Irlanda), Portugal, é um espírito livre, já visitou mais de 15 países da Europa e atualmente mora em São Paulo.
É coautor no livro: Versões do Perdão, autor do livro O Diário de Ayron e também de Breves Reflexões para não Desistir da Vida.

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